Treinamento de Endurance de Alto Rendimento: Modelos de Sessão, Papel do Baixo Esforço e Diretrizes Atuais de Proteína

por | out 25, 2025

A literatura contemporânea em fisiologia do exercício tem consolidado um consenso pragmático: atletas de endurance de elite estruturam a maioria de suas sessões em baixa intensidade, com menor proporção em faixas moderada e alta. Embora o predomínio de cargas leves possa parecer paradoxal frente às exigências extremas do alto rendimento, evidências acumuladas demonstram sua eficácia na sustentação do desempenho e na atenuação da fadiga crônica. Paralelamente, avanços metodológicos em nutrição esportiva — especialmente na quantificação das necessidades proteicas via técnica de oxidação de aminoácido indicador (IAAO) — têm permitido refinar a integração entre treinamento, recuperação e adaptação. Este artigo articula essas duas dimensões centrais do rendimento de endurance: os modelos de sessão utilizados por treinadores de sucesso e as diretrizes proteicas contemporâneas que os sustentam.

Modelos de Sessão e Práticas Consolidadas em Esportes de Endurance

Estudos realizados com treinadores de algumas modalidades olímpicas de fundo como biatlo, esqui cross-country, ciclismo de estrada, remo, corrida, natação e triatlo — apontam para uma convergência notável: aproximadamente 75–80% das sessões ocorrem em baixa intensidade (LIT), enquanto o restante é composto por sessões de intensidade moderada (MIT) e alta (HIT), majoritariamente intervaladas e frequentemente associadas a competições. A estrutura dessas sessões privilegia o controle preciso da carga, evitando a exaustão e favorecendo a progressão de longo prazo.

A duração das sessões contínuas em LIT varia amplamente conforme a modalidade e a tolerância mecânica — de 30 minutos a até sete horas —, refletindo uma adaptação específica à demanda do esporte. A execução é marcada por consistência técnica, monitoramento de lactato e adoção do princípio “difícil-fácil”, com predominância de zonas de intensidade Z1 e uso criterioso de Z2 por razões técnicas, como a manutenção da potência mínima eficaz. Essa abordagem assegura a qualidade das sessões intensas subsequentes, sustentando o equilíbrio entre estímulo e recuperação. Ademais, os autores rejeitam o conceito de “treinos de recuperação” no sentido clássico, argumentando que o próprio volume de LIT constitui um estímulo fisiológico relevante, capaz de induzir adaptações periféricas e aprimorar a economia de movimento.

O planejamento anual de atletas de elite caracteriza-se, portanto, por uma base volumosa de LIT, seguida de uma proporção maior de MIT em relação ao HIT, e pela adoção de escalas de intensidade padronizadas que facilitam a comunicação e o controle da carga. As competições, por sua vez, são reconhecidas como componentes importantes da carga de alta intensidade (Z4/5), integrando-se organicamente ao ciclo de treino.

A Justificativa Fisiológica e Programática do Predomínio de LIT

O domínio da baixa intensidade nos programas de elite é sustentado por múltiplas hipóteses não excludentes. Em primeiro lugar, sessões em LIT permitem ganhos incrementais sem acúmulo excessivo de estresse autonômico, possibilitando alta frequência semanal e melhor manutenção da disponibilidade fisiológica. Em segundo, a ativação de rotas de sinalização alternativas — especialmente vias dependentes de cálcio e lipídios — favorece adaptações mitocondriais e capilares distintas daquelas induzidas por esforços máximos. Em terceiro, volumes crônicos de LIT promovem remodelações estruturais duradouras, incluindo aumento do volume sistólico, da densidade capilar e da proporção de fibras tipo I.

Adicionalmente, componentes emergentes como a capacidade de sustentar potência sob fadiga e recuperação intrínseca parecem beneficiados por longos blocos de LIT. Aspectos psicobiológicos também são relevantes, uma vez que treinos menos intensos favorecem estabilidade emocional, adesão e controle do esforço subjetivo. Evidências observacionais em grandes coortes reforçam essa lógica: atletas mais rápidos acumulam maior tempo total em LIT, enquanto as quantidades absolutas de MIT e HIT variam pouco entre níveis de performance. O alto volume de baixa intensidade, portanto, não é mero complemento, mas o alicerce de um sistema de desenvolvimento sustentado e durável.

Diretrizes Contemporâneas de Ingestão Proteica em Atletas de Endurance

Paralelamente à evolução dos modelos de treino, a compreensão das necessidades proteicas específicas de atletas de endurance foi substancialmente aprimorada pela técnica IAAO, que oferece maior precisão na estimativa da oxidação e utilização de aminoácidos. As evidências atuais indicam que, em dias de treino, a ingestão ideal situa-se em torno de 1,8 g·kg⁻¹·dia⁻¹, podendo aumentar para ~2,0 g·kg⁻¹·dia⁻¹ em contextos de baixa disponibilidade de carboidrato ou em dias de recuperação passiva. Esse ajuste reflete a maior oxidação de aminoácidos como substrato energético e a necessidade ampliada de síntese proteica para reparo tecidual.

Do ponto de vista prático, muitos atletas já alcançam valores próximos a 1,5 g·kg⁻¹·dia⁻¹, mas o refinamento individual deve considerar fase do ciclo, carga semanal e estratégia nutricional periodizada. Embora não haja evidência robusta de que a adição de proteína ao carboidrato durante o exercício aumente o desempenho ou a ressíntese de glicogênio quando as metas de CHO são adequadamente atendidas, há consenso de que a ingestão proteica adequada potencializa adaptações musculares, reduz o catabolismo e favorece a recuperação em contextos de baixa energia.

A distribuição proteica deve ocorrer em 3 a 5 refeições diárias, com ênfase nos períodos pós-sessão e pré-sono, utilizando fontes ricas em aminoácidos essenciais — especialmente leucina —, ajustadas às preferências alimentares e à tolerância gastrointestinal durante treinos prolongados.

Integração Treino–Nutrição: Um Framework Aplicado

A integração entre carga de treino e nutrição deve ser encarada como um sistema unificado, em que variáveis fisiológicas, moleculares e comportamentais se retroalimentam. No microciclo, recomenda-se a inclusão de duas a três sessões intensas bem espaçadas, intercaladas com grandes volumes de LIT, suficientes para sustentar o estímulo metabólico sem sobrecarga autonômica. O controle das sessões intervaladas deve privilegiar volume acumulado, progressão e execução controlada, evitando a fadiga excessiva.

Em paralelo, a periodização proteica deve acompanhar as oscilações da carga: manter o piso de ~1,8 g·kg⁻¹·dia⁻¹ em dias regulares, elevar para 2,0 g·kg⁻¹·dia⁻¹ em blocos de baixa disponibilidade de carboidrato e nos dias subsequentes a provas ou treinos longos. Essa sinergia entre estímulo mecânico e suporte nutricional amplia o potencial adaptativo, assegurando continuidade e resiliência no desempenho.

Lacunas e Perspectivas

Apesar dos avanços, persistem lacunas críticas na literatura. Ainda não se conhece com precisão quais componentes do desempenho — além do VO₂máx — são mais sensíveis ao LIT de longo prazo, especialmente em termos de economia, cinética de oxigênio e resistência à fadiga. Ensaios de longa duração comparando modelos piramidais, polarizados e híbridos, com controle rigoroso da recuperação, permanecem escassos em populações de elite. No campo nutricional, faltam curvas dose-resposta específicas por refeição, além de dados estratificados por sexo, idade e estado energético, que possam refinar a prescrição individual.

Conclusão

A convergência entre uma base ampla de baixa intensidade, sessões intensas cuidadosamente controladas e uma periodização proteica contextualizada representa o eixo integrador de um modelo de desempenho sustentável em endurance. O volume elevado de LIT oferece uma plataforma de manutenção e remodelação periférica de longo prazo, enquanto MIT e HIT fornecem estímulos direcionados ao refinamento da performance. Quando apoiadas por uma estratégia nutricional sensível às variações de carga e disponibilidade energética, essas práticas compõem um sistema coerente, mensurável e cientificamente fundamentado para a maximização do rendimento em atletas de elite.

Referências:

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