Proteínas de Choque Térmico, Exercício e Rendimento Humano: Ciclos de Estresse, Recuperação e Adaptação

por | out 23, 2025

Introdução

A resistência à insulina e os distúrbios metabólicos associados constituem um desafio crescente à saúde pública. Intervenções tradicionais, como dieta e exercício físico, muitas vezes encontram baixa adesão, reforçando a necessidade de estratégias moleculares complementares. As HSPs, especialmente a HSP72, emergem como mediadores críticos da homeostase metabólica, protegendo contra inflamação, estresse oxidativo e disfunção mitocondrial. Neste contexto, o exercício físico configura-se como um potente indutor fisiológico de HSPs, promovendo simultaneamente benefícios à saúde metabólica e à resistência celular frente ao estresse.

Resposta das HSPs ao Exercício

Exercício Agudo: Estímulos agudos de exercício aumentam a expressão de HSP72 em múltiplos tecidos, incluindo músculo esquelético, cardíaco, fígado, cérebro, rim e pulmões. Os principais estressores fisiológicos do exercício — aumento da temperatura corporal, estresse oxidativo, hipóxia, alterações do pH, fluxos de cálcio e depleção de substratos energéticos — ativam o fator de choque térmico 1 (HSF1), que regula a transcrição de genes codificadores de HSPs.

HSPs citosólicas, como a HSP72, podem ser liberadas na circulação (eHSP72), atuando possivelmente como sinais sistêmicos de estresse. Embora a contribuição relativa de cada órgão ainda não esteja completamente esclarecida, há indícios de que esses sinais participam da coordenação de respostas adaptativas entre tecidos.

Fig. 1. Representação esquemática dos efeitos de um ciclo de treinamento físico sobre os níveis de expressão da proteína de choque térmico (HSP) 72 no músculo esquelético.

A: o exercício agudo ou uma única sessão de exercício aumenta a expressão de HSP72 no músculo esquelético.

B: um programa de treinamento físico também eleva os níveis de HSP72. A resposta a uma sessão única de exercício provavelmente está relacionada à necessidade de lidar com a perturbação aguda da homeostase celular durante o esforço, enquanto a resposta de longo prazo ao treinamento representa uma adaptação à carga de treino.

C: uma redução da carga de treino, como ocorre no período de “tapering” (redução gradual antes de competições), aparentemente não altera os níveis de HSP72; contudo, o repouso prolongado ou o retorno a um estado pré-treinado leva à diminuição dessa proteína.

D: durante um período de treinamento intenso, o desempenho máximo (indicado pelas setas cinzas) resulta em uma atenuação da resposta aguda habitual da HSP72 ao exercício, enquanto o desempenho máximo após o período de “tapering” (indicado pelas setas laranjas) permite novamente a indução da HSP72. Essa resposta pode atuar como um mecanismo de proteção, amortecendo a perturbação homeostática intensa que ocorre durante um esforço máximo e contribuindo positivamente para o desempenho.

Exercício Crônico e Adaptação ao Treinamento

Treinamentos repetidos promovem aumentos cumulativos na expressão de HSP72, resultando em adaptações duradouras nos músculos esquelético e cardíaco. Tanto o treinamento de endurance quanto o de resistência elevam o conteúdo de HSP72, com respostas específicas às fibras musculares: fibras do tipo I apresentam indução mais robusta pós-exercíesultando em adaptações duradouras nos músculos esquelético e cardíaco. cio do que fibras do tipo II, refletindo seu recrutamento predominante em atividades de resistência.

Em indivíduos treinados, a resposta de HSP a um exercício agudo pode ser atenuada, indicando um refinamento adaptativo do sistema de regulação celular em função da carga metabólica e mecânica prévia. Essas adaptações promovem proteção celular, otimização mitocondrial e maior eficiência metabólica.

Fig. 2. Impacto do exercício sobre a resposta da HSP72 em diversos órgãos. Estudos realizados em humanos e/ou roedores demonstraram que múltiplas formas e tipos de exercício — tanto aeróbicos quanto de resistência — aumentam a expressão de HSP72 na circulação (tanto extracelular quanto intracelular), no fígado, rins, músculo esquelético, pulmões, coração e cérebro. É provável que outros tecidos também apresentem a mesma resposta.

[Dados sobre o aumento da expressão no coração, músculo esquelético, pulmões e rins provenientes de Lollo et al. (47); dados referentes ao fígado de Atalay et al. (4); dados sobre o cérebro de Lappalainen et al. (38); e dados percentuais sobre o aumento extracelular de HSP72 de Whitham e Fortes (74).]

Tapering e Implicações para o Rendimento

O tapering, período de redução planejada no volume de treino antes de competições, modula significativamente a resposta das HSPs. Estudos indicam que a expressão de mRNA da HSP72 nas fibras tipo I é mais robusta após tapering do que durante períodos de treino intenso, sugerindo um efeito de pré-condicionamento celular que prepara o músculo para esforços máximos.

Este fenômeno evidencia a importância dos ciclos de estresse e recuperação: o estímulo agudo provoca desordem homeostática suficiente para induzir HSPs e outras respostas adaptativas, enquanto a recuperação adequada, incluindo tapering, permite consolidar essas adaptações e maximizar o rendimento durante esforços de pico.

HSPs e a Resposta de Proteínas Desdobradas (UPR)

O retículo endoplasmático (RE) e o retículo sarcoplasmático (RS) desempenham papel central na síntese e dobramento de proteínas. O exercício ativa a unfolded protein response (UPR), resposta adaptativa que restaura a homeostase proteica e previne apoptose.

As HSPs citosólicas e específicas do RE (como BiP/Grp78) interagem com sensores da UPR, como IRE1α, promovendo a estabilização de proteínas desdobradas e mitigando o estresse. Este processo também influencia a transcrição gênica, pois a ativação do HSF1 e de outros fatores de transcrição regula genes de defesa celular, aumentando a produção de HSPs e de proteínas de reparo. Dessa forma, HSPs não apenas respondem ao estresse mecânico e metabólico do exercício, mas também facilitam adaptações celulares prolongadas a esforços repetidos.

Combinação de Exercício com Calor

A exposição ao calor, seja ambiental ou localizada, pode potencializar a indução de HSPs promovida pelo exercício. Protocolos combinados aumentam a biogênese mitocondrial, a capacidade oxidativa e a termotolerância, oferecendo vantagens tanto para populações clínicas quanto para atletas.

A aplicação prática exige atenção à hidratação e ao controle térmico, especialmente em idosos ou indivíduos com condições de saúde vulneráveis, para evitar sobrecarga fisiológica.

HSPs, Metabolismo e Saúde

Níveis reduzidos de HSP72 estão associados à resistência à insulina e à disfunção mitocondrial. Sua indução protege contra inflamação, estresse oxidativo e apoptose induzida pelo ER, melhorando a homeostase metabólica.

No contexto do overtraining, a redução na expressão de HSPs pode contribuir para um estado de resistência à insulina temporária, pois a menor disponibilidade de HSP72 prejudica o dobramento e a estabilização de proteínas envolvidas na sinalização do receptor de insulina, aumentando o estresse oxidativo e inflamatório. Assim, períodos prolongados de estresse físico sem recuperação adequada podem reduzir a capacidade adaptativa celular, elevando o risco metabólico mesmo em atletas.

Ativadores farmacológicos de HSP72 (BGP-15, geranylgerilacetona, glutamina) e estratégias nutricionais (proteínas hidrolisadas) podem simular respostas induzidas pelo exercício, representando alternativas para indivíduos com mobilidade limitada ou baixa adesão ao treino.

HSPs e Desempenho Físico

Modelos animais com superexpressão de HSP72 exibem maior tolerância ao exercício, maior densidade mitocondrial e capacidade oxidativa aprimorada. Além das adaptações musculares, efeitos centrais no cérebro, incluindo áreas que regulam a motivação, atividade voluntária e percepção de esforço, contribuem significativamente para o aumento do desempenho. Estudos sugerem que manipulações direcionadas das HSPs, seja por treino, calor ou fármacos, podem impactar de forma integrada tanto a capacidade periférica quanto central, otimizando o rendimento humano.

Ciclos de Estresse e Recuperação: Estratégia Fundamental

A indução de HSPs e outras respostas adaptativas depende da alternância planejada entre estímulo (estresse) e recuperação. O exercício provoca perturbações homeostáticas que ativam HSPs, UPR e outras vias adaptativas; a recuperação adequada, incluindo tapering, consolida essas respostas, prevenindo sobrecarga e promovendo performance máxima.

Esses ciclos são fundamentados em décadas de experiência em periodização do treinamento, especialmente em escolas consagradas como a Escola Alemã de Cologne, que sistematizou estratégias de variação de volume e intensidade para maximizar adaptações e minimizar riscos de fadiga crônica e sobrecarga.

Conclusão

HSPs, particularmente HSP72, são mediadores centrais da adaptação ao estresse induzido pelo exercício. Suas respostas variam entre tecidos, tipos de fibras e condições de treino, sendo moduladas por fatores como intensidade, duração e tapering. Compreender a integração entre estresse, recuperação e expressão de HSPs fornece insights valiosos para otimizar o rendimento humano e explorar intervenções clínicas e esportivas. Ciclos bem planejados de estresse e recuperação transformam perturbações fisiológicas em adaptações positivas, sustentando a saúde metabólica e a performance máxima.

Referencias

Archer AE, Von Schulze AT, Geiger PC. Exercise, heat shock proteins and insulin resistance. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 2018 Jan 19;373(1738):20160529.

Henstridge DC, Febbraio MA, Hargreaves M. Heat shock proteins and exercise adaptations. Our knowledge thus far and the road still ahead. J Appl Physiol (1985). 2016 Mar 15;120(6):683-91.