O exercício físico, especialmente o de resistência aeróbica, representa um dos mais poderosos estímulos fisiológicos para a adaptação humana. Durante o esforço, o aumento do consumo de oxigênio desencadeia uma produção controlada de espécies reativas de oxigênio (ROS), que atuam simultaneamente como agentes de estresse e mensageiros celulares.
Longe de serem apenas subprodutos tóxicos do metabolismo, as ROS cumprem papel essencial na sinalização que regula a biogênese mitocondrial, a defesa antioxidante e até mesmo modificações epigenéticas.
Essa sinalização redox, que integra vias como NF-κB, MAPK e PGC-1α, cria um sistema de autorregulação em que o desafio oxidativo molda a própria capacidade adaptativa do músculo. O equilíbrio entre geração e neutralização dessas moléculas define o limiar entre dano e adaptação — e explica por que o exercício moderado é tão benéfico à saúde e à longevidade.
- Introdução
A história evolutiva do ser humano está profundamente entrelaçada à capacidade de utilizar o oxigênio de maneira eficiente. Desde os primeiros hominídeos caçadores de longa distância, a resistência aeróbica foi um fator determinante para a sobrevivência.
Correr sob o sol africano não era apenas um ato físico — era uma estratégia de sobrevivência que dependia da interação precisa entre metabolismo, oxigênio e adaptação biológica.
Entretanto, o oxigênio carrega um paradoxo fascinante: é o combustível da vida e, ao mesmo tempo, uma potencial fonte de destruição. Esse dualismo — a linha tênue entre vitalidade e toxicidade — tornou-se o motor da evolução fisiológica.
Compreender como o corpo equilibra esse paradoxo é essencial para entender o papel do exercício na biologia moderna. O treinamento de resistência não apenas eleva o consumo máximo de oxigênio (VO₂máx), como também aprimora mecanismos celulares de defesa que mantêm a homeostase redox — o equilíbrio dinâmico entre oxidação e redução que sustenta a vida.

- O Papel das Espécies Reativas de Oxigênio (ROS)
Durante o exercício, o aumento da taxa metabólica acelera o fluxo de elétrons na cadeia transportadora mitocondrial, levando à formação de espécies reativas de oxigênio como o ânion superóxido (O₂•–) e o peróxido de hidrogênio (H₂O₂).
Essas moléculas, historicamente vistas como vilãs por causarem dano oxidativo, hoje são reconhecidas como mensageiros essenciais de sinalização celular.
Em níveis moderados, as ROS ativam fatores de transcrição e cascatas de sinalização que coordenam a adaptação muscular. Entre elas destacam-se:
NF-κB (Nuclear Factor kappa B) — é como um “interruptor mestre” das respostas de defesa. Quando ativado pelas ROS, ele estimula genes ligados à produção de enzimas antioxidantes e proteínas que reparam danos celulares. Em outras palavras, ele ensina a célula a se proteger melhor da próxima vez.
MAPK (Mitogen-Activated Protein Kinases) — funciona como uma “central de comunicação” dentro da célula. As MAPKs detectam o estresse (como o gerado pelo exercício) e repassam o sinal para que a célula aumente a produção de proteínas relacionadas ao crescimento, à regeneração e à resistência ao estresse oxidativo.
Além disso, as ROS ativam o HIF-1α (Hypoxia-Inducible Factor 1-alpha), uma proteína que “sente” a falta de oxigênio e desencadeia a formação de novos vasos sanguíneos (angiogênese), melhorando o fornecimento de oxigênio aos músculos em atividade.
Essa rede de sinais cria uma verdadeira educação celular: as mesmas moléculas que impõem estresse são as que ensinam a célula a se adaptar.

- PGC-1α e o Controle do Estresse Oxidativo
Entre os mediadores moleculares do processo adaptativo, o PGC-1α (Peroxisome Proliferator-Activated Receptor Gamma Coactivator 1-alpha) ocupa papel central.
Sob estímulo das ROS e da contração muscular, vias como p38 MAPK e AMPK (AMP-Activated Protein Kinase) induzem sua ativação, iniciando uma reprogramação metabólica.
O AMPK age como um “sensor de energia” da célula. Quando o exercício reduz os estoques de energia (ATP), a AMPK entra em ação para economizar combustível e estimular a produção de novas mitocôndrias — as usinas celulares.
A PGC-1α, por sua vez, coordena a biogênese mitocondrial, aumentando tanto o número quanto a eficiência das mitocôndrias. Também estimula genes que produzem enzimas antioxidantes como superóxido dismutase (SOD), catalase e glutationa peroxidase, reforçando as barreiras de defesa.
Assim, cria-se um ciclo virtuoso: quanto mais o músculo é desafiado, mais ele aprimora sua estrutura bioenergética e sua resiliência ao estresse. O exercício ensina a célula a gerar energia de forma mais limpa e eficiente.

- Antioxidantes Endógenos e Homeostase Redox
O organismo conta com uma sofisticada rede de defesa antioxidante — enzimática e não enzimática — que mantém as moléculas em equilíbrio.
Os sistemas glutationa (GSH/GSSG) e tiorredoxina (TRX) são essenciais para manter as proteínas em estado funcional e evitar que se “enferrujem” com o excesso de oxidação.
Segundo Ji (2015), o exercício regular ajusta esses sistemas por mecanismos locais (autócrinos) e sistêmicos (parácrinos), levando a um aumento progressivo da capacidade antioxidante.
Esse fenômeno é conhecido como hormese oxidativa — pequenas doses de estresse que fortalecem o organismo, como uma vacina natural contra o envelhecimento celular.

- ROS, Epigenética e Remodelamento Muscular
A influência das ROS vai além da bioquímica e alcança o nível epigenético, onde o ambiente e o estilo de vida moldam a expressão dos genes. Em resposta ao exercício, as ROS modulam processos como metilação do DNA e acetilação de histonas, ajustando a maneira como os genes são ativados.
A SIRT1 (Sirtuina 1) — é uma enzima dependente de NAD⁺ que atua como um “guardião da longevidade”. Ela interage com o PGC-1α, ajudando a regular o metabolismo energético e a proteção antioxidante. Com o envelhecimento, sua atividade diminui, mas o exercício físico pode reativar essa via, preservando a função mitocondrial e retardando o declínio metabólico. Assim, o exercício atua como um modulador epigenético natural, capaz de rejuvenescer o metabolismo e “ensinar” o corpo a responder melhor aos desafios ambientais.

- Conclusão
O exercício de resistência não é meramente um gasto energético; é um diálogo molecular entre o corpo e o oxigênio. Através da interação entre ROS, NF-κB, MAPK, PGC-1α, AMPK, HIF-1α e SIRT1, o organismo constrói uma homeostase dinâmica, onde o estresse se transforma em estímulo e o desafio em crescimento.
A lição biológica — e filosófica — é clara: “a vida prospera não na ausência de perturbações, mas na capacidade de se adaptar a elas”. O mesmo oxigênio que pode corroer é também o que forja.
No equilíbrio entre destruição e criação, o exercício revela que a força é, no fundo, uma forma de sabedoria molecular.
Referências
Gomez-Cabrera MC, Carretero A, Millan-Domingo F, Garcia-Dominguez E, Correas AG, Olaso-Gonzalez G, Viña J. Redox-related biomarkers in physical exercise. Redox Biol. 2021 Jun;42:101956.
Ji LL. Redox signaling in skeletal muscle: role of aging and exercise. Adv Physiol Educ. 2015 Dec;39(4):352-9. doi: 10.1152/advan.00106.2014.
Radak Z, Zhao Z, Koltai E, Ohno H, Atalay M. Oxygen consumption and usage during physical exercise: the balance between oxidative stress and ROS-dependent adaptive signaling. Antioxid Redox Signal. 2013 Apr 1;18(10):1208-46.