Mudanças climáticas, desmatamento da Amazônia e diversidade biológica: uma análise no contexto evolutivo e do desenvolvimento

por | ago 31, 2025

O estudo da evolução biológica, desde a obra seminal de Charles Darwin A Origem das Espécies (1859), evidencia que a diversidade da vida resulta da interação entre variações hereditárias, mecanismos de seleção natural e influência ambiental sobre o desenvolvimento dos organismos. Essa perspectiva, hoje ampliada pela biologia evolutiva do desenvolvimento (EvoDevo), mostra que o genótipo, ao interagir com fatores ambientais, gera fenótipos diversos por meio de processos como plasticidade fenotípica, epigenética e assinaturas moleculares associadas ao desenvolvimento.

No contexto contemporâneo, as mudanças climáticas globais e o desmatamento da Amazônia configuram forças ambientais de grande magnitude, capazes de alterar profundamente essas trajetórias evolutivas. O aumento da temperatura média, a alteração nos regimes de chuvas e a intensificação de eventos extremos impactam diretamente processos de desenvolvimento de plantas e animais. Por exemplo, a disponibilidade de nutrientes, luz e umidade — fatores reguladores centrais no desenvolvimento — sofre modificações drásticas em ecossistemas amazônicos degradados, resultando em mudanças na expressão gênica e na metilação do DNA. Tais alterações epigenéticas podem influenciar padrões de crescimento, reprodução e sobrevivência de espécies, modulando a diversidade biológica.

Fonte: https://doi.org/10.1590/0001-3765202020191375

O desmatamento da Amazônia, por sua vez, atua como fator duplo de pressão. Primeiramente, reduz diretamente a diversidade pela perda de habitats e pela fragmentação populacional, comprometendo o fluxo gênico e favorecendo gargalos evolutivos que diminuem a variabilidade genética. Em segundo lugar, amplifica as mudanças climáticas globais, na medida em que reduz a capacidade de sequestro de carbono e modifica o regime hidrológico continental, retroalimentando o aquecimento e a instabilidade climática. Nesse cenário, espécies amazônicas, altamente adaptadas a condições ambientais específicas, tornam-se particularmente vulneráveis.

A teoria evolutiva e as pesquisas em EvoDevo demonstram que novas pressões seletivas podem tanto induzir inovações quanto levar ao desaparecimento de linhagens. Alterações no microclima florestal, como aumento da temperatura do solo e mudanças na composição química da água, podem modificar trajetórias de desenvolvimento embrionário, larval ou juvenil, resultando em fenótipos menos aptos à sobrevivência. Por outro lado, espécies com maior plasticidade fenotípica podem explorar novas condições ambientais, gerando diversidade adaptativa. No entanto, essa plasticidade tem limites e, diante da velocidade atual das mudanças climáticas associadas ao desmatamento, o risco de extinção tende a superar as oportunidades de inovação.

Assim, a relação entre evolução, desenvolvimento e ambiente, destacada por Darwin e aprofundada pela EvoDevo, encontra nos fenômenos contemporâneos das mudanças climáticas e da destruição da Amazônia um campo crítico de observação. A perda de diversidade biológica nesse bioma não compromete apenas espécies locais, mas representa a redução de um reservatório genético global de alto valor para a ciência, para a adaptação evolutiva e para a própria resiliência dos ecossistemas terrestres.

Portanto, integrar a perspectiva evolutiva ao debate sobre mudanças climáticas e conservação da Amazônia é fundamental. As ferramentas modernas de sequenciamento genômico e epigenômica ambiental (eDNA, metagenômica) permitem identificar assinaturas moleculares de adaptação ou vulnerabilidade, fornecendo subsídios científicos para políticas de conservação. Ao reconhecer que o ambiente molda o desenvolvimento e a evolução, compreendemos que proteger a Amazônia não é apenas preservar árvores ou espécies isoladas, mas assegurar a continuidade de processos biológicos que sustentam a diversidade da vida na Terra.

Referências:

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EvoDevo, biologia que une evolução e desenvolvimento