A compreensão dos limites superiores da capacidade aeróbica nos animais exige a integração de múltiplas escalas biológicas — da expressão gênica à organização funcional de sistemas fisiológicos. O desempenho máximo de organismos como beija-flores e abelhas, cuja taxa de consumo de oxigênio por unidade de massa corporal ultrapassa em ordens de magnitude a de atletas humanos, representa um paradigma de integração evolutiva entre metabolismo, morfologia e controle genético. Nessas espécies, a otimização bioenergética e estrutural não resulta de modificações isoladas, mas de uma coadaptação sistêmica que envolve desde a regulação transcricional das enzimas oxidativas até o refinamento anatômico de pulmões, coração e musculatura esquelética. A fisiologia comparada, associada à biologia molecular contemporânea, revela que a performance aeróbica não é um atributo monolítico, mas uma propriedade emergente de redes de controle distribuído que operam de modo coordenado e interdependente.
Nos vertebrados endotérmicos de pequeno porte, como beija-flores, a evolução selecionou uma arquitetura morfofuncional que maximiza o fluxo de oxigênio e substratos através de toda a cadeia metabólica. Corações hipertrofiados, capazes de alcançar frequências de até 1300 batimentos por minuto, trabalham em sinergia com pulmões cuja capacidade difusiva de oxigênio pode ser até 8,5 vezes superior à dos mamíferos de massa equivalente. As fibras musculares, com densidade capilar e mitocondrial extraordinárias, exibem proporção volumétrica de mitocôndrias próxima de 35%, e densidade de cristas internas em torno de 58 m²·cm⁻³ — valores que situam esses tecidos entre os mais eficientes sistemas de conversão bioenergética conhecidos. Essa organização estrutural permite taxas de turnover de ATP que sustentam voos batendo as asas dezenas de vezes por segundo, com consumo mitocondrial de oxigênio que supera em uma ordem de magnitude o de humanos no VO₂máx.

https://www.forbes.com/sites/scotttravers/2024/09/21/a-biologist-spotlights-the-animal-with-the-highest-vo2-max-hint-its-a-type-of-bird/
Todavia, essa performance não se explica apenas por aspectos morfológicos e bioquímicos. Estudos de biologia de sistemas, como os de Timmons e colaboradores, demonstram que a variação na capacidade aeróbica é fortemente determinada por assinaturas genéticas estáveis e herdáveis. A expressão coordenada de grupos de genes — particularmente aqueles envolvidos na biogênese mitocondrial, no transporte de elétrons, na oxidação de ácidos graxos e na angiogênese — estabelece um “perfil molecular de alta capacidade oxidativa” que antecede e condiciona o fenótipo fisiológico. Timmons et al. (2010) identificaram, em modelos animais de alta e baixa capacidade de corrida, redes gênicas cuja atividade basal prediz com notável precisão o desempenho aeróbico, independentemente do treinamento físico. Tal constatação reforça a noção de que a aptidão aeróbica é um traço quantitativo complexo, governado por interações epistáticas entre múltiplos loci, e que a plasticidade ao treinamento depende de estados regulatórios preexistentes no genoma funcional.

A teoria do controle metabólico oferece a estrutura conceitual para compreender essa integração: não existe um único ponto limitante ao fluxo de oxigênio ou ao metabolismo oxidativo; o controle é distribuído entre etapas enzimáticas, transportadoras e estruturais. Essa distribuição também se manifesta no nível genético, onde a coexpressão de genes codificadores de proteínas mitocondriais, de fatores de transcrição como PGC-1α e de componentes do sistema cardiovascular reflete um programa regulatório integrado. A alta capacidade aeróbica, portanto, é o produto de uma coordenação sinérgica entre módulos funcionais — um fenômeno de modularidade evolutiva no qual a seleção natural atua sobre redes e não sobre genes isolados.
Em humanos, esse princípio se traduz em grande heterogeneidade interindividual nas respostas ao treinamento físico. Enquanto alguns indivíduos apresentam aumentos expressivos no VO₂máx com o exercício, outros exibem respostas mínimas, apesar de protocolos idênticos. Essa variação, longe de ser meramente comportamental ou ambiental, decorre de diferenças na arquitetura regulatória do transcriptoma muscular. O estudo de Timmons e colegas revelou que a magnitude da adaptação aeróbica está associada à expressão basal de um conjunto de aproximadamente 30 genes nucleares e mitocondriais, formando uma “assinatura de resposta ao treinamento”. Tal assinatura confere previsibilidade à plasticidade do sistema, sugerindo que o potencial de ganho aeróbico é uma característica biologicamente programada.

Essas evidências genômicas dialogam de maneira direta com as observações fisiológicas em espécies de metabolismo extremo. Nos beija-flores, a upregulação permanente de genes relacionados à oxidação lipídica e à síntese mitocondrial, associada à pressão seletiva do voo sustentado, consolidou um estado de ativação metabólica crônica que, em outras espécies, só é atingido transitoriamente durante o exercício intenso. O mesmo se observa em abelhas, cujos músculos de voo expressam continuamente níveis elevados de enzimas oxidativas e transportadores de oxigênio, operando próximos dos limites termodinâmicos da fosforilação oxidativa. A diferença entre essas espécies e o ser humano não é, portanto, de natureza qualitativa, mas de grau e persistência na ativação de programas genéticos de alta demanda energética.

A integração dessas escalas — molecular, celular e sistêmica — permite compreender por que a evolução dos vertebrados endotérmicos culminou em um conjunto estreito de soluções funcionais para sustentar taxas metabólicas elevadas. O aumento da densidade mitocondrial, por exemplo, é limitado pela necessidade de manter espaço para miofibrilas contráteis; da mesma forma, o aumento da hematócrito é restringido pela viscosidade sanguínea. Assim, o limite superior do desempenho aeróbico emerge de um equilíbrio entre ganhos bioenergéticos e custos estruturais, e a seleção natural ajusta continuamente esse ponto ótimo em função das pressões ecológicas. A expressão gênica associada ao metabolismo oxidativo é, nesse contexto, tanto causa quanto consequência da demanda funcional — um ciclo de retroalimentação evolutiva em que o exercício crônico e a especialização morfológica estabilizam padrões transcricionais de alta eficiência.
Do ponto de vista filogenético, a convergência funcional entre beija-flores, morcegos e insetos voadores sugere que há um conjunto limitado de soluções bioenergéticas viáveis para sustentar voo endotérmico. Todos exibem alta densidade mitocondrial, suprimento eficiente de oxigênio e controle fino da homeostase térmica. No entanto, apenas os insetos, dotados de sistema traqueal direto, conseguem exceder os limites impostos pela difusão capilar dos vertebrados. Essa diferença estrutural define o limiar inferior da endotermia sustentada — cerca de 2 g de massa corporal — abaixo do qual o custo de manutenção térmica e metabólica torna-se incompatível com a capacidade de suprimento de oxigênio.

Em síntese, o estudo da capacidade aeróbica revela uma hierarquia de integração que transcende as fronteiras entre fisiologia, bioquímica e genética. A performance máxima não se reduz à eficiência de uma via metabólica isolada, mas resulta da orquestração de múltiplos sistemas biológicos, sincronizados por redes regulatórias de expressão gênica. Timmons et al. demonstraram que o potencial aeróbico está inscrito no transcriptoma antes mesmo do exercício; os beija-flores e abelhas exemplificam como a evolução pode transformar tal potencial em condição basal de existência. Em ambos os casos, o que define o limite superior da vida aeróbica não é o poder de um único mecanismo, mas a harmonia entre todos — um estado de equilíbrio dinâmico entre as leis da termodinâmica, as restrições estruturais e a plasticidade genética que sustenta a extraordinária diversidade do metabolismo animal.
Referências:
Sparks LM. Exercise training response heterogeneity: physiological and molecular insights. Diabetologia. 2017 Dec;60(12):2329-2336.
Suarez RK. Oxygen and the upper limits to animal design and performance. J Exp Biol. 1998 Apr;201(Pt 8):1065-72.
Timmons JA, Knudsen S, Rankinen T, Koch LG, Sarzynski M, Jensen T, Keller P, Scheele C, Vollaard NB, Nielsen S, Akerström T, MacDougald OA, Jansson E, Greenhaff PL, Tarnopolsky MA, van Loon LJ, Pedersen BK, Sundberg CJ, Wahlestedt C, Britton SL, Bouchard C. Using molecular classification to predict gains in maximal aerobic capacity following endurance exercise training in humans. J Appl Physiol (1985). 2010 Jun;108(6):1487-96.