A Intensidade em Zona 2 e Suas Implicações nas Adaptações Periféricas e Centrais no Atleta de Endurance

por | set 30, 2025

O treinamento em intensidades submáximas, particularmente na Zona 2, tem se consolidado como eixo central nas estratégias de preparação de atletas de endurance. Essa zona é definida como a faixa de intensidade imediatamente abaixo do primeiro limiar de lactato (LT1) ou ventilatório (VT1), momento em que a ventilação começa a aumentar de forma desproporcional ao consumo de oxigênio. Nessa intensidade, a concentração de lactato sanguíneo se mantém em valores baixos e estáveis (≈1,5–2,0 mmol/L), a percepção subjetiva de esforço é reduzida, e o metabolismo energético apresenta predominância da oxidação de ácidos graxos em detrimento da glicólise.

Essas características fazem da Zona 2 um estímulo único para promover adaptações duradouras e fundamentais à performance de longa duração. Embora o gasto energético seja moderado, a manutenção prolongada desse tipo de treino ativa simultaneamente adaptações periféricas (no músculo esquelético) e centrais (no coração), que ampliam de forma integrada a eficiência do transporte e da utilização do oxigênio.

Adaptações periféricas: fibras tipo I, mitocôndrias e capilarização

Nas fibras musculares esqueléticas do tipo I, ricas em mitocôndrias e especializadas no metabolismo oxidativo, o estímulo contínuo da Zona 2 induz aumento da densidade mitocondrial e da atividade enzimática da fosforilação oxidativa. Essa resposta está associada à ativação do coativador transcricional PGC-1α, considerado regulador mestre da biogênese mitocondrial. Com isso, a musculatura treinada nessa intensidade passa a apresentar maior capacidade de utilizar ácidos graxos como fonte primária de energia, poupando glicogênio muscular e retardando a depleção de substratos.

Além disso, a Zona 2 promove incremento da densidade capilar intramuscular, ampliando a superfície de difusão de oxigênio e facilitando a remoção de metabólitos. Essa remodelação vascular melhora a perfusão tecidual e sustenta a taxa de oxidação mitocondrial, permitindo a manutenção de intensidades relativamente baixas por longos períodos com baixo acúmulo de fadiga metabólica.

Imagem: https://inscyd.com/ 

Adaptações centrais: enchimento ventricular e hipertrofia excêntrica

No sistema cardiovascular, a Zona 2 induz sobrecarga volumétrica decorrente do elevado retorno venoso durante esforços prolongados. Esse estímulo crônico favorece o aumento do volume diastólico final e o prolongamento do enchimento ventricular, o que promove hipertrofia excêntrica do ventrículo esquerdo. Essa remodelação cardíaca é caracterizada pelo aumento do diâmetro da cavidade ventricular e pela maior complacência da parede, sem incremento patológico da espessura.

As consequências funcionais desse remodelamento são o aumento do volume sistólico e a elevação do débito cardíaco máximo, permitindo maior aporte de oxigênio por batimento. Em intensidades submáximas, típicas da Zona 2, o atleta passa a sustentar um débito elevado com frequência cardíaca reduzida, economizando energia e preservando a eficiência cardiovascular.

Integração das adaptações

A combinação das adaptações periféricas e centrais constitui a base do desempenho de endurance. O coração remodelado pela hipertrofia excêntrica assegura maior volume de ejeção e fluxo sanguíneo, enquanto a musculatura esquelética treinada apresenta maior densidade mitocondrial e capilar, favorecendo o aproveitamento desse aporte de oxigênio. Esse sinergismo explica porque a Zona 2 é considerada a “coluna vertebral” do treinamento aeróbio, sendo determinante para ampliar a capacidade do atleta de sustentar esforços prolongados em intensidades próximas ao limiar ventilatório sem acúmulo precoce de fadiga.

Imagem: https://inscyd.com/ 

Referências:

Meixner B, Filipas L, Holmberg HC, Sperlich B. Zone 2 Intensity: A Critical Comparison of Individual Variability in Different Submaximal Exercise Intensity Boundaries. Transl Sports Med. 2025 Feb 23;2025:2008291

Stöggl TL, Sperlich B. The training intensity distribution among well-trained and elite endurance athletes. Front Physiol. 2015 Oct 27;6:295. doi: 10.3389/fphys.2015.00295.

Stöggl TL, Sperlich B. Editorial: Training Intensity, Volume and Recovery Distribution Among Elite and Recreational Endurance Athletes. Front Physiol. 2019 May 21;10:592.

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