Joyner e Coyle (2008) consolidaram um modelo conceitual robusto para explicar o desempenho de endurance, sustentado por três pilares fisiológicos fundamentais: o consumo máximo de oxigênio (VO₂máx), o limiar de lactato (LT) e a eficiência mecânica ou economia de movimento. Esses fatores não operam como entidades independentes; ao contrário, interagem de maneira dinâmica para determinar a “VO₂ de performance”, definida como a fração do metabolismo aeróbico capaz de ser sustentada por longos períodos sob elevada demanda energética.
O VO₂máx representa a capacidade integrativa do sistema cardiorrespiratório de captar, transportar e utilizar oxigênio. Seu valor é determinado por fatores como débito cardíaco elevado, grande volume sistólico, alta densidade capilar e abundância de mitocôndrias nos músculos ativos. Em atletas campeões de endurance, encontra-se tipicamente entre 70–85 ml·kg⁻¹·min⁻¹, sendo o componente central — particularmente a capacidade cardíaca — o principal limitador em condições de saturação do aporte periférico. Apesar disso, o VO₂máx isolado não garante performance de elite, atuando mais como um pré-requisito fisiológico do que como determinante direto da vitória em níveis competitivos.
O limiar de lactato (LT), por sua vez, delineia a intensidade crítica na qual a glicólise passa a superar a capacidade mitocondrial de oxidação do piruvato, gerando acúmulo acelerado de lactato e íons H⁺ no sangue. Essa inflexão traduz um ponto de transição metabólica com profundo impacto na tolerância ao exercício prolongado, sendo um preditor mais forte de desempenho do que o VO₂máx por refletir a habilidade de controlar a fadiga metabólica. Em atletas de elite, o LT ocorre entre 80–90% do VO₂máx, possibilitando sustentar velocidades substancialmente superiores às de indivíduos treinados recreacionalmente. Tal benefício decorre da elevada capilarização muscular e da predominância de fibras oxidativas (tipo I), que favorecem o clareamento de metabólitos e diminuem o recrutamento precoce de fibras glicolíticas fatigáveis.
O terceiro pilar, a eficiência mecânica, expressa o custo energético para se manter uma determinada velocidade ou potência. Sua importância torna-se evidente quando se observa que atletas com VO₂máx e LT similares podem apresentar diferenças de até 30–40% na economia de corrida e 20–25% no ciclismo. Essas variações estão associadas à composição de fibras musculares, biomecânica refinada e controle neuromotor avançado. Estudos longitudinais demonstram que a eficiência pode melhorar 1–3% ao ano com treinamento crônico, sugerindo plasticidade do fenótipo contrátil e possível conversão funcional de isoformas de miosina, o que reforça a natureza adaptativa desse determinante.
A integração desses três componentes sustenta modelos matemáticos que prevêem o limite superior do desempenho humano. O próprio Joyner antecipou a possibilidade de tempos de maratona abaixo de duas horas — previsão posteriormente materializada por performances contemporâneas — evidenciando a força explicativa desse paradigma.

A biologia molecular do desempenho: assinaturas metabólicas em ciclistas de elite
A investigação de Nemkov et al. (2023) aprofunda esse arcabouço fisiológico ao nível molecular, demonstrando como os determinantes clássicos do desempenho se manifestam em perfis bioquímicos circulantes. Em ciclistas do World Tour, análises metabolômicas de mais de 280 metabólitos foram realizadas em diferentes contextos de esforço: um teste incremental até a exaustão, uma sessão aeróbica de 180 km e, de forma inédita, monitoramentos seriados durante uma prova de sete etapas.
Durante o teste incremental, marcado pela transição para altas taxas glicolíticas, houve aumento de 2–3 vezes em lactato e succinato, acompanhado de elevação de ácidos graxos livres e acilcarnitinas de cadeia curta. Esse perfil evidencia a intensificação da glicólise anaeróbica e o início do desequilíbrio do transporte mitocondrial de eletrões, com consequente perturbação da homeostase redox e progressão para fadiga metabólica.
Já na sessão prolongada aeróbica, o padrão metabólico transformou-se significativamente. Observou-se amplo acúmulo de ácidos graxos de cadeia longa e acilcarnitinas médias, com mínima elevação do lactato, refletindo uma clara predominância da β-oxidação mitocondrial e da eficiência oxidativa característica de exercícios sustentados. Esses mesmos perfis surgiram em campo, com estágios de sprint apresentando assinaturas glicolíticas semelhantes ao teste incremental, enquanto etapas de montanha revelaram maior dependência lipídica e resiliência mitocondrial.
Ao longo da corrida por etapas, emergiu um padrão articulado de fadiga progressiva e recuperação incompleta. Inicialmente, intensificou-se a via das pentoses fosfato e o ciclo do ácido cítrico, refletindo demanda elevada por NADPH e regulação antioxidante. Com o acúmulo de carga, houve elevação de marcadores de estresse oxidativo e redução de aminoácidos e nucleotídeos, indicando catabolismo proteico e maior custo sistêmico de manutenção energética. O declínio contínuo da carnitina circulante apontou para o esgotamento da capacidade de transportar ácidos graxos às mitocôndrias — fator crítico para preservar a oxidação lipídica sob carga repetida.
Importante ressaltar que o ciclista de melhor desempenho manteve baixa concentração de lactato, piruvato e succinato, bem como maiores reservas de NAD(H), sugerindo integração superior entre glicólise, ciclo de Krebs e β-oxidação, além de controle mais eficaz do estresse oxidativo. Essa assinatura bioquímica traduz precisamente o perfil do atleta eficiente descrito por Joyner: alta economia, flexibilidade metabólica e preservação de resiliência mitocondrial frente à adversidade fisiológica.

Convergência conceitual e implicações científicas
A articulação entre o modelo integrativo de Joyner & Coyle e a metabolômica de Nemkov et al. proporciona um quadro multidimensional do desempenho de endurance. Fatores antes avaliados apenas por parâmetros sistêmicos — VO₂máx, LT e eficiência — agora podem ser monitorados por biomarcadores metabolicamente específicos, como:
- Lactato e succinato → marcadores moleculares do limiar anaeróbico
- Acilcarnitinas e pantotenato → indicadores da capacidade oxidativa e economia
- Razão NAD⁺/NADH e estado da glutationa → condição redox e fadiga acumulada
Desse modo, o desempenho de elite emerge como a capacidade de modular transições metabólicas com máxima eficiência, sustentando o equilíbrio entre vias glicolíticas, lipídicas e oxidativas sob condições extremas. O atleta campeão é aquele cuja homeostase bioenergética se mantém estável, apesar da demanda contínua por potência aeróbica elevada.
Assim, o paradigma contemporâneo expande o modelo tripartite clássico, incorporando a metabolômica como um quarto pilar do desempenho humano. Essa evolução permite não apenas compreender os limites fisiológicos, mas também monitorá-los em tempo real, refinando estratégias de treinamento, nutrição e recuperação com base em evidências objetivas.

Conclusão
A fisiologia dos campeões é, hoje, também uma fisiologia molecular da eficiência. A interação entre genótipo, treinamento, plasticidade muscular e regulação bioenergética define o limite superior do potencial de endurance humano. À medida que a ciência avança, a fronteira do desempenho deixa de ser um conceito abstrato e passa a ser um território mensurável — e potencialmente manipulável — pela biotecnologia esportiva.
Referências
Joyner MJ, Coyle EF. Endurance exercise performance: the physiology of champions. J Physiol. 2008;586(1):35-44.
Nemkov T, Cendali F, Stefanoni D, et al. Metabolic Signatures of Performance in Elite World Tour Professional Male Cyclists. Sports Med. 2023;53(8):1651-1665.