Acesso fidedigno ao comportamento do fluxo sanguíneo e ao consumo de oxigênio muscular durante o exercício com equipamento portátil

por | out 31, 2025

Durante o exercício, especialmente em modalidades de endurance, compreender o comportamento da hemoglobina total (THb) e da saturação muscular de oxigênio (SmO₂) oferece uma janela precisa para o entendimento da dinâmica do suprimento e utilização de oxigênio no tecido muscular. O Moxy Monitor, dispositivo baseado na espectrometria de infravermelho próximo (NIRS), permite mensurar essas variáveis em tempo real, tornando-se uma ferramenta de grande valor para avaliação e controle do treinamento.

A THb reflete a quantidade total de hemoglobina (somada à contribuição da mioglobina) presente em um determinado grupo muscular, servindo como indicador indireto do fluxo sanguíneo local. Já a SmO₂ representa o percentual de saturação dessa hemoglobina com oxigênio, expressando o equilíbrio dinâmico entre a oferta e o consumo de O₂. Em conjunto, esses parâmetros traduzem o componente periférico do consumo de oxigênio (VO₂), complementando as informações obtidas pela mensuração do débito cardíaco, que representa o componente central do mesmo sistema.

Durante o exercício, as contrações musculares provocam alterações cíclicas no fluxo sanguíneo — um fenômeno conhecido como compression outflow e return. A compressão decorrente da contração muscular, geralmente observada a partir de 30% da força máxima voluntária, gera oscilações de aceleração e desaceleração do fluxo na microcirculação. Essas variações podem ser visualizadas por meio de flutuações na THb, que refletem o efeito da pressão mecânica sobre a perfusão local.

         

Fonte: Joyner MJ, Casey DP. Regulation of increased blood flow (hyperemia) to muscles during exercise: a hierarchy of competing physiological needs. Physiol Rev. 2015;95(2):549-601.

Em contrações mais intensas (30–60% da máxima), ocorre oclusão venosa parcial, caracterizada pelo acúmulo de sangue na região muscular. Nessa situação, observa-se aumento transitório da THb e uma redução simultânea da SmO₂, indicando elevação do consumo de oxigênio sem compensação imediata pelo fluxo. Esse padrão é comum em exercícios intervalados de alta intensidade, onde o aumento da perfusão na recuperação reflete um rápido retorno hiperêmico — essencial para restaurar o equilíbrio metabólico.

Quando a força gerada ultrapassa 70% da contração máxima voluntária, instala-se uma oclusão arterial completa, interrompendo o fluxo sanguíneo. Nesse contexto, a THb atinge um platô estável, e a SmO₂ despenca a níveis muito baixos, evidenciando a depleção de oxigênio muscular. A liberação da contração desencadeia então uma resposta hiperêmica vigorosa, com aumento abrupto da THb, fenômeno também observado em protocolos de oclusão vascular induzida por manguitos. Em termos práticos, essa condição é rara durante esforços dinâmicos de endurance, mas serve como modelo fisiológico para compreender as respostas vasculares extremas à restrição de fluxo.

No controle do treinamento, essas respostas permitem inferir o nível de estresse metabólico e a eficiência da perfusão muscular. Em esportes de endurance, como ciclismo, corrida ou remo, a observação contínua da SmO₂ permite identificar pontos de transição metabólica (VT1 e VT2) e monitorar o equilíbrio entre oferta e demanda de oxigênio em diferentes intensidades. Atletas bem treinados tendem a apresentar menor queda de SmO₂ e recuperação mais rápida da THb, evidenciando melhor capacidade oxidativa e maior eficiência vascular.

Fonte: De Ciuceis C, Rizzoni D, Palatini P. Microcirculation and Physical Exercise In Hypertension. Hypertension. 2023;80(4):730-739.

 Esses mecanismos estão intimamente ligados à regulação autonômica e metabólica do fluxo sanguíneo. Durante o exercício, a liberação local de óxido nítrico (NO) e o aumento do dióxido de carbono (CO₂) promovem vasodilatação nas arteríolas que irrigam os músculos ativos, superando parcialmente o efeito vasoconstritor do sistema nervoso simpático. Em contrapartida, músculos não recrutados sofrem vasoconstrição reflexa, com consequente redução de THb e SmO₂. Essa redistribuição otimiza o aporte de oxigênio e nutrientes às fibras em atividade, caracterizando uma priorização hemodinâmica funcional.

Fonte: Li J, Liu G, Zhang D, Zhang K, Cao C. Physiological Mechanisms Driving Microcirculatory Enhancement: the Impact of Physical Activity. Rev Cardiovasc Med. 2025 Feb 19;26(2):25302.

Do ponto de vista aplicado, compreender essas variações permite ajustar estratégias de intensidade, duração e recuperação nos treinamentos. Por exemplo, identificar o ponto em que a SmO₂ começa a cair de forma acentuada pode indicar o limiar de tolerância ao esforço, enquanto a velocidade de recuperação da THb e SmO₂ após o exercício reflete a eficiência circulatória e metabólica do atleta. Assim, o uso de ferramentas como o Moxy Monitor não apenas traduz a fisiologia muscular em tempo real, mas também oferece um parâmetro objetivo para prescrição personalizada, controle de carga e prevenção da fadiga em esportes de resistência.

Fonte: Joyner MJ, Casey DP. Regulation of increased blood flow (hyperemia) to muscles during exercise: a hierarchy of competing physiological needs. Physiol Rev. 2015;95(2):549-601.

Referências:

Hirai DM, Copp SW, Ferguson SK, et al. Exercise training and muscle microvascular oxygenation: functional role of nitric oxide. J Appl Physiol (1985). 2012;113(4):557-565.

Hirai DM, Copp SW, Ferreira LF, Musch TI, Poole DC. Nitric oxide bioavailability modulates the dynamics of microvascular oxygen exchange during recovery from contractions. Acta Physiol (Oxf). 2010;200(2):159-169.

Joyner MJ, Casey DP. Regulation of increased blood flow (hyperemia) to muscles during exercise: a hierarchy of competing physiological needs. Physiol Rev. 2015;95(2):549-601.

Li J, Liu G, Zhang D, Zhang K, Cao C. Physiological Mechanisms Driving Microcirculatory Enhancement: the Impact of Physical Activity. Rev Cardiovasc Med. 2025 Feb 19;26(2):25302.