Introdução
O Functional Threshold Power (FTP) tem se consolidado como um dos parâmetros mais relevantes para avaliação e prescrição de treinamento no ciclismo e triatlo, oferecendo uma alternativa prática e precisa aos tradicionais testes laboratoriais de limiar anaeróbio. Por definição, o FTP corresponde à maior potência média que um ciclista consegue sustentar durante aproximadamente 60 minutos, refletindo o ponto de equilíbrio entre a produção e a remoção de lactato sanguíneo — marcador chave do limiar anaeróbio. Esse conceito deriva do modelo de Critical Power descrito por A. V. Hill em 1925, que representa o ponto assintótico entre a potência máxima sustentável e a duração do esforço.
O FTP não apenas expressa a capacidade aeróbia funcional do atleta, mas também permite monitorar a evolução do condicionamento físico, prescrever intensidades de treinamento e estimar a carga de trabalho de forma objetiva, independentemente de medições diretas de frequência cardíaca ou testes laboratoriais complexos. A praticidade e aplicabilidade do FTP, aliadas à robustez fisiológica, tornam-no um marcador central na ciência do treinamento moderno.
Conceito Fisiológico
O FTP está intimamente relacionado ao Limiar de Lactato (LT), definido como a carga de trabalho máxima antes do aumento exponencial dos níveis de lactato no sangue durante um teste incremental. O LT indica a transição anaeróbia, ou seja, o ponto em que o metabolismo aeróbio não é mais suficiente para atender à demanda energética, exigindo contribuição crescente do metabolismo anaeróbio.
Em termos práticos, o FTP pode ser interpretado como a potência média máxima que um atleta consegue manter em estado semi-estável, representando um esforço intenso, porém sustentável, por cerca de uma hora. Quando testes completos de 60 minutos não são viáveis, protocolos de campo de 20 minutos são comumente utilizados, ajustando-se a potência média obtida em 95% para estimar o FTP equivalente a 60 minutos.
Métodos de Avaliação
A determinação do FTP pode ser realizada de forma laboratorial ou em campo, utilizando cicloretros equipados com freio magnético e medidores de potência calibrados. O protocolo típico inclui:
- Aquecimento progressivo, com fases de pedalada leve e estímulos de alta intensidade intercalados por recuperação.
- Teste máximo de 20 minutos, monitorando potência, cadência e frequência cardíaca.
- Cálculo do FTP, ajustando a potência média do teste de 20 minutos em 95% para estimar a potência equivalente a uma hora.
Além disso, o FTP serve de base para definir zonas de treinamento, distribuídas em sete categorias de intensidade, que vão desde recuperação ativa (<55% do FTP) até esforços neuromusculares (>150% do FTP). Cada zona reflete diferentes demandas fisiológicas, permitindo ao atleta e treinador planejar estímulos específicos: melhoria da resistência aeróbia, ampliação do limiar anaeróbio, aumento do VO₂máx e desenvolvimento da tolerância ao lactato.
Evidências Científicas
Estudos recentes, como o de Leo et al. (2021), analisaram a relação entre o FTP e marcadores laboratoriais clássicos, incluindo limiar de lactato (LT), ponto de deflexão da curva de lactato (Dmax) e limiar ventilatório. Nesse estudo, ciclistas treinados realizaram testes máximos de 3, 12 e 20 minutos, permitindo correlacionar o desempenho médio com medições diretas de lactato e ventilação.
Os resultados demonstraram que o FTP estimado a partir de testes de 12 e 20 minutos apresentou forte correlação com os limiares fisiológicos, enquanto o teste de 3 minutos não representou adequadamente o ponto de transição metabólica devido à maior contribuição anaeróbia.
Outro estudo avaliou ciclistas recreacionais (RC) e treinados (TC) em testes de campo e de laboratório, determinando o LT via método Dmax (ajuste exponencial da curva lactato–carga de trabalho). O FTP foi calculado como 95% da potência média de um teste de 20 minutos (P20). Os achados mostraram que:
- Em ciclistas treinados, o FTP apresentou excelente concordância com o LT (ICC = 0,90), podendo ser usado como substituto confiável em campo.
- Em ciclistas recreacionais, o FTP tendia a subestimar ligeiramente o LT, mas a P20 apresentou melhor aproximação.
Esses resultados evidenciam que a confiabilidade do FTP como marcador de LT depende do nível de treinamento do atleta. Ciclistas com maior potência máxima relativa (PPO) apresentam melhor manutenção do esforço próximo ao limiar anaeróbio, refletindo adaptações periféricas (maior eficiência energética, remoção de metabólitos, aumento do glicogênio) e centrais (tolerância à dor, percepção de esforço).
Aplicações Práticas
O FTP oferece uma ferramenta de monitoramento contínuo e prescrição objetiva:
- Permite calcular e atualizar zonas de treinamento individualizadas.
- Facilita a avaliação longitudinal do desempenho, permitindo ajustes precisos no plano de treino.
- Serve como base para estimar VO₂máx e capacidade de tolerância ao lactato.
- Pode ser aplicado em ambientes internos e externos, com diferentes durações de teste (20–60 minutos).
Apesar das vantagens, limitações incluem a necessidade de medidores de potência e o uso de fatores de correção para testes submáximos, que podem variar individualmente.

Fonte: https://stagescycling.com/en_gb/
Conclusão
O FTP é um marcador fisiológico robusto e validado, altamente correlacionado com o LT e outros limiares de endurance. Sua aplicação prática permite:
- Prescrever treinos com base em dados objetivos de potência.
- Monitorar evolução do condicionamento físico e adaptações metabólicas.
- Estimar limites de esforço sustentável em ciclistas e triatletas.
Enquanto em atletas treinados o FTP pode substituir com confiança o LT em campo, em ciclistas recreacionais recomenda-se cautela e uso da P20 para maior precisão. A integração do FTP em programas de treinamento representa, portanto, um elo entre ciência do exercício e prática aplicada, promovendo evolução do desempenho com base em métricas fisiológicas confiáveis e operacionalmente acessíveis.
Como as novas tecnologias portáteis do VO₂ Master e Moxy Monitor podem agregar valor ao FTP
O Functional Threshold Power (FTP) consolidou-se como uma métrica prática e objetiva para avaliar o desempenho em ciclismo, permitindo prescrever zonas de treinamento e monitorar a evolução aeróbia do atleta. No entanto, como marcador indireto do limiar anaeróbio, o FTP não fornece informações detalhadas sobre a eficiência metabólica ou a dinâmica de consumo de oxigênio nos músculos ativos.
Nesse contexto, tecnologias portáteis como o VO₂ Master e o Moxy Monitor podem complementar significativamente o FTP, agregando valor preditivo e maior precisão fisiológica. O VO₂ Master permite medir diretamente o consumo de oxigênio (VO₂) e o custo energético durante o esforço, fornecendo dados sobre capacidade aeróbia, ventilação e eficiência metabólica. Ao integrar essas informações ao FTP, é possível validar se a potência funcional corresponde ao limiar ventilatório do atleta, estimar o VO₂máx e monitorar adaptações metabólicas induzidas pelo treinamento.
Por sua vez, o Moxy Monitor, baseado em espectroscopia de infravermelho próximo (NIRS), fornece dados sobre saturação de oxigênio muscular (SmO₂) e consumo local de oxigênio. Essa tecnologia permite identificar quais músculos estão sendo mais recrutados, quando ocorre fadiga periférica e a tolerância local ao esforço intenso. Ao combinar FTP e Moxy, treinadores e atletas podem individualizar a prescrição de treino, ajustando intensidades e volumes conforme limitações específicas de cada músculo ativo.
A integração de FTP, VO₂ Master e Moxy Monitor transforma dados de potência em uma abordagem multifatorial de treinamento, unindo validade fisiológica, monitoramento metabólico e avaliação periférica. Essa combinação permite:
- Confirmar se o FTP representa adequadamente o limiar aeróbico e ventilatório.
- Identificar adaptações centrais e periféricas ao longo de ciclos de treinamento.
- Ajustar zonas de potência de forma individualizada, aumentando a precisão e a eficiência do treino.
- Monitorar a fadiga e prevenir sobrecarga, tanto global quanto local.
Em resumo, enquanto o FTP fornece o parâmetro central para prescrição de treino, o VO₂ Master e o Moxy Monitor agregam camadas adicionais de análise fisiológica, aumentando o valor preditivo do FTP e oferecendo uma abordagem integrativa e científica para o desenvolvimento do desempenho em ciclistas e triatletas.
Quadro Comparativo: FTP x VO₂ Master x Moxy Monitor
| Parâmetro | O que mede | Relação com FTP | Valor agregado |
| FTP (Functional Threshold Power) | Potência média máxima sustentável por cerca de 60 min identificando o limiar funcional de potência | Marcador indireto do limiar do lactato; referência central para zonas de treinamento | Determina intensidade de treino, prescrição de zonas de potência e monitoramento do estado de forma |
| VO₂ Master | Consumo de oxigênio (VO₂), ventilação, metabolismo energético | Confirma se FTP corresponde ao limiar ventilatório e aeróbico; estima VO₂máx | Validação fisiológica do FTP; avaliação de eficiência energética; monitoramento de adaptações metabólicas |
| Moxy Monitor (NIRS) | Saturação de oxigênio muscular (SmO₂), dinâmica de entrega e consumo de O₂ nos músculos | Identifica limitações periféricas durante esforço próximo ao FTP | Permite ajuste individualizado de treino, monitoramento de fadiga local, identificação de músculos mais recrutados e resposta à intensidade |
Referências:
Klitzke Borszcz F, Tramontin AF, Costa VP. Reliability of the Functional Threshold Power in Competitive Cyclists. Int J Sports Med. 2020;41(3):175-181.
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McGRATH E, Mahony N, Fleming N, Benavoli A, Donne B. Prediction of Functional Threshold Power from Graded Exercise Test Data in Highly-Trained Individuals. Int J Exerc Sci. 2022;15(4):747-759.
Vinetti G, Rossi H, Bruseghini P, et al. Functional Threshold Power Field Test Exceeds Laboratory Performance in Junior Road Cyclists. J Strength Cond Res. 2023;37(9):1815-1820.