Biologia do esporte: os mecanismos moleculares do alto rendimento aeróbico

por | out 26, 2025

O alto rendimento aeróbico em esportes de endurance, como natação, ciclismo e corrida, depende de uma complexa interação entre fatores centrais e periféricos, entre os quais se destacam o débito cardíaco, a diferença arteriovenosa de oxigênio (Δa-vO₂), o limiar de lactato e a eficiência mecânica. A melhoria desses componentes exige uma programação de treinamento cuidadosamente estruturada, que explore tanto volumes extensivos de trabalho de baixa intensidade quanto sessões específicas de alta intensidade, a fim de promover adaptações musculares profundas e integradas.

Nas fibras do tipo I, predominantemente oxidativas e de contração lenta, o principal estímulo para a biogênese mitocondrial é a manutenção prolongada de concentrações elevadas de cálcio citosólico durante o exercício. Esse sinal ativa cascatas intracelulares envolvendo Ca²⁺/calmodulina quinase (CaMK), calcineurina e outras quinases sensíveis ao cálcio, resultando na ativação do coativador PGC-1α. Paralelamente, a redução relativa de ATP e o aumento de AMP/ADP durante esforços prolongados ativam AMPK, enquanto a elevação do NAD⁺ ativa sirtuína 1 (SIRT1), ambos convergindo para a desacetilação e ativação transcricional de PGC-1α. A ativação deste eixo molecular coordena a expressão de fatores nucleares como NRF-1 e NRF-2, bem como de TFAM, promovendo replicação e transcrição do DNA mitocondrial e consequente aumento da densidade e funcionalidade das mitocôndrias. O resultado funcional dessas adaptações é uma maior capacidade oxidativa, permitindo que as fibras tipo I sustentem altos volumes de trabalho por períodos prolongados, removendo de forma eficiente o lactato produzido pelas fibras tipo II, reduzindo a acidose local e deslocando o limiar de lactato (VT2) para intensidades mais elevadas. Esse aumento do VT2 é crucial para o rendimento aeróbico, pois permite que o atleta opere a maiores intensidades antes de ocorrer acúmulo significativo de lactato, mantendo eficiência metabólica e desempenho sustentado.

No entanto, apenas o treinamento de baixa intensidade não é suficiente para otimizar o desempenho em eventos de alta intensidade intermitente, nos quais as fibras do tipo II são recrutadas. Sessões intervaladas de alta intensidade, capazes de ativar simultaneamente fibras tipo I e tipo II, induzem biogênese mitocondrial também nas fibras rápidas. A ativação metabólica intensa dessas fibras gera aumento do Ca²⁺ intracelular, redução do ATP e aumento do AMP/ADP e NAD⁺, o que estimula AMPK, SIRT1 e PGC-1α, promovendo a síntese de novas mitocôndrias. Além disso, estudos indicam que o treinamento intervalado aumenta a expressão de transportadores monocarboxilato tipo 1 (MCT1) e potencialmente tipo 4 (MCT4), facilitando a captação e remoção de lactato entre fibras e tecidos. Essas adaptações permitem que as fibras tipo II, tradicionalmente rápidas e fatigáveis, adquiram maior capacidade oxidativa sem perda significativa de potência, criando fibras híbridas que combinam velocidade de contração elevada com maior resistência à fadiga.

A integração dessas duas estratégias — alto volume de baixa intensidade (~80% da carga semanal) e intervalados de alta intensidade (~20%) — representa a base do chamado modelo polarizado de treinamento de endurance. O trabalho de alto volume proporciona estímulo prolongado de Ca²⁺ e sinalização energética nas fibras tipo I, promovendo densidade mitocondrial, aumento de MCT1 e eficiência na remoção de lactato, enquanto o trabalho de alta intensidade estimula fibras tipo II, promovendo adaptações oxidativas, maior capacidade de transporte de lactato e preservação da potência máxima.

Um aspecto adicional crítico para o desempenho aeróbico é a eficiência mecânica. Treinos longos de baixa intensidade não apenas aumentam a capacidade oxidativa, mas também permitem que o atleta refine o padrão de movimento, eliminando gestos desnecessários e otimizando a economia de movimento. Essa melhoria na eficiência mecânica reduz o custo energético de cada unidade de trabalho e aumenta a autonomia metabólica, o que é especialmente relevante em modalidades como ciclismo, corrida e natação, onde movimentos repetitivos em alta cadência dominam o desempenho.

Por fim, deve-se considerar o desafio da supercompensação e do equilíbrio energético. Treinamentos de altíssimo volume requerem controle rigoroso do aporte calórico e períodos adequados de recuperação, para que o organismo possa realizar a remodelação muscular, aumentar a densidade mitocondrial e otimizar as vias de transporte de lactato sem comprometer a potência ou induzir fadiga crônica. O ajuste fino entre estímulo, recuperação e volume é, portanto, fundamental para maximizar a performance, e o entendimento das vias moleculares envolvidas permite programar treinos que promovam simultaneamente densidade mitocondrial nas fibras tipo I e II, aumento do limiar de lactato e manutenção da potência nas fibras rápidas.

Em síntese, o alto rendimento aeróbico resulta da integração entre adaptações centrais e periféricas, incluindo débito cardíaco elevado, aumento da Δa-vO₂, limiar de lactato elevado, densidade mitocondrial otimizada em fibras lentas e rápidas, e maior eficiência mecânica. O treinamento de endurance de alto volume e baixa intensidade, complementado por intervalados de alta intensidade, induz essas adaptações via sinalizações moleculares envolvendo PGC-1α, AMPK, SIRT1, CaMK, calcineurina e MAPK, promovendo um equilíbrio metabólico que aumenta a resistência, retarda a fadiga e permite sustentação de potência em esportes de longa duração. O resultado é um perfil muscular capaz de suportar longas demandas energéticas, otimizar a utilização do lactato como combustível e manter alta eficiência mecânica, elementos cruciais para o desempenho em natação, ciclismo e corrida de elite.

Referências:

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Perry CGR, Hawley JA. Molecular Basis of Exercise-Induced Skeletal Muscle Mitochondrial Biogenesis: Historical Advances, Current Knowledge, and Future Challenges. Cold Spring Harb Perspect Med. 2018 Sep 4;8(9):a029686.