Exercício, evolução e envelhecimento: um reencontro com nossa natureza esquecida
Muito além de uma escolha de vida saudável, o movimento humano é um traço ancestral, enraizado em nossa biologia e crucial para um envelhecimento com vitalidade. A partir de uma perspectiva evolutiva, o paleoantropólogo Daniel E. Lieberman desconstrói o sedentarismo moderno e propõe reflexões que desafiam nosso modo de viver — e envelhecer — no século XXI.
A relação entre atividade física, saúde e envelhecimento humano desafia a ciência e proporciona uma instigante reflexão. Fugindo da retórica comum que apresenta o exercício como um dever moral ou uma simples escolha de estilo de vida, o paleoantropólogo Daniel E. Lieberman oferece uma perspectiva evolutiva que nos convida a repensar a inatividade contemporânea como um descompasso entre a biologia humana e o mundo moderno.
Segundo o autor, fomos moldados por milhares de anos de evolução para conservar energia sempre que possível – uma estratégia fundamental para a sobrevivência em ambientes de escassez alimentar. Nesse sentido, o sedentarismo atual não é sinal de preguiça, mas resultado de um instinto profundamente enraizado. O problema, como Lieberman aponta, é que hoje vivemos em um ambiente onde a inatividade é a norma, e o movimento precisa ser, paradoxalmente, forçado ou “prescrito”.
Um dos pontos altos de sua teoria é a chamada Hipótese da Avó Ativa, que propõe que a longevidade humana teria sido favorecida pela contribuição dos idosos em sociedades caçadoras-coletoras. Ao manterem-se fisicamente ativos mesmo após a fase reprodutiva, os mais velhos desempenhavam papéis cruciais na transmissão de conhecimento, no cuidado dos netos e no suporte ao grupo. Essa visão não apenas valoriza o envelhecimento ativo, como também desafia a lógica moderna de que a velhice é sinônimo de declínio e inatividade.
Outro destaque é a Hipótese do Reparo Custoso, segundo a qual os benefícios do exercício físico derivam de um processo biológico fundamental: o esforço causa pequenos danos ao corpo que, ao serem reparados, acionam mecanismos naturais de manutenção celular, muscular e óssea. Esse processo, conhecido como hormese, permite não apenas a recuperação das lesões causadas pelo movimento, mas também a correção de danos acumulados ao longo do tempo, promovendo saúde e longevidade.
Dados concretos e envolventes corroboram essa hipótese, como é o caso do famoso estudo em que cinco jovens saudáveis apresentaram marcantes declínios na saúde após três semanas de repouso absoluto. O retorno ao exercício reverteu esses efeitos. Trinta anos depois, os mesmos indivíduos, agora sedentários e envelhecidos, passaram por um novo ciclo de treinamento físico. O resultado foi surpreendente: eles recuperaram níveis de aptidão cardiovascular comparáveis aos da juventude.
Lieberman também problematiza o uso indiscriminado de suplementos antioxidantes. Embora amplamente promovidos como benéficos à saúde, esses produtos podem interferir negativamente nos processos de adaptação que o exercício desencadeia. Em outras palavras, tentar “ajudar” artificialmente o corpo pode sabotar aquilo que ele faz melhor de forma natural: reconstruir-se e fortalecer-se.
Fomos geneticamente esculpidos ao longo da evolução – e também pela força do acaso – para nos movimentar. É temerário observar uma sociedade que desvaloriza o movimento como parte essencial da vida. Nesse contexto, obstáculos sociais, econômicos e ambientais dificultam a prática de atividade física em larga escala. Fatores como desigualdade de acesso a espaços seguros, jornadas de trabalho exaustivas e políticas urbanas pouco voltadas ao bem-estar físico também fazem parte do cenário que desafia o envelhecimento saudável.
É paradoxal que, em uma era em que a ciência comprova os benefícios do movimento, este tenha se tornado artigo de luxo. A urbanização acelerada, a lógica produtivista e a cultura do conforto criaram uma armadilha invisível: nos afastamos daquilo que somos. Reduzir o movimento a uma simples opção individual ignora a complexidade do problema. Atividade física não é apenas prevenção de doenças — é reconexão com nossa própria história evolutiva.
Lieberman, D. E. (2020). Exercised: Why Something We Never Evolved to Do Is Healthy and Rewarding. First edition. Pantheon Books.